SOBRE O PASSAR DO
TEMPO E AS MUDANÇAS NA VIDA
No último feriado de Corpus
Christi viajei para Cataguases, minha terra natal em Minas Gerais, para visitar
meus pais. Cataguases deixou de ser meu lar doce lar há muitos anos, mas como
meus pais ainda moram lá, vez por outra, principalmente nos feriados
prolongados visito-os, pois já estou fora de casa há quase 23 anos e nesse
período muita coisa mudou. De lá para cá meus pais ganharam mais rugas, a pele
ficou mais flácida e murcha, os fios brancos em seus cabelos aumentaram e a
mobilidade ficou mais reduzida. O viço da vida vai aos poucos se desvanecendo e
até o brilho de seus olhos ficou mais opaco. É interessante observar a ação
cruel do tempo, ainda que a gente saiba que as coisas sejam assim mesmo, embora
seja difícil aceitar tais transformações impostas de forma tão radical e
irreversível. A fórmula da vida aqui na terra é assim, e não há nada que
possamos fazer pra alterá-la, senão aceitá-la e vivê-la tal como nos foi
concebida.
Interessante que não são somente as pessoas
que o tempo muda, mas também os lugares, os costumes, os hábitos, o modo de
pensar, a visão de vida, de mundo, as crenças, os princípios, os valores, a
ética e tantas outras coisas que outrora quando éramos jovens tinham outra
definição, outra razão de ser. Hoje, toda a concepção que um dia norteou minha
vida, se reduziu a um punhado de coisas questionáveis, diante das vicissitudes
filosóficas que extrapolam meu ser.
E eu também mudei. Lembro que
meus ideais de vida há vinte anos eram completamente diferentes dos que tenho
hoje. Somos criados de acordo com o que rege nossa cultura, nossas tradições,
valores e princípios morais e éticos; mas um dia tudo isso começa a ser
questionado. Não que tais coisas estivessem erradas ou merecessem uma
reconsideração, mas talvez porque sabemos que na vida nada é essencialmente
estático, tudo muda, passa, transforma... as pessoas, as coisas, o ambiente, os
valores éticos e morais, os princípios que norteiam nosso senso de certo e
errado, nossa crença em nós mesmos, nossa capacidade de adaptação às mudanças
drásticas às quais somos submetidos enquanto o mundo gira e faz girar também a
roda da vida.
Não sei dizer ao certo se com o
passar do tempo me tornei uma pessoa melhor ou não. Dizem que as experiências
da vida nos moldam e nos tornam pessoas melhores, como diamantes brutos que
foram lapidados até adquirirem a bela forma que possuem, ou como o fogo que
derrete o aço na fornalha e o molda em outros objetos. Metaforicamente ou não,
a vida é um contínuo processo de transformação em cada um de nós. Talvez seja
uma centelha da qual mal nos apercebemos, mas com o passar dos anos é possível
que tenhamos a clareza das coisas, ao ver que tal centelha na verdade era parte
dos respingos da imensa fornalha que forja a vida, que nos moldou conforme cada
situação adversa que tenhamos enfrentado ao longo de nossa jornada como seres
em processo de transformação. Hoje me pergunto se fui moldado a um “formato”
condizente com o que deveria ser ou se ainda estou em processo de modelagem. Percebo
que a ação de moldar não cabe a mim mesmo, embora parte dela tenha um pouco da
minha influência pessoal, através dos meus esforços em me tornar aquilo que
gostaria de ser ou de ter para mim mesmo. Além dos meus esforços pessoais,
existe uma força motriz que conduz e move tudo, que poderia ser Deus ou mesmo a
própria vida, ainda que a própria vida pudesse ser Deus ou vice-versa nesse
instante de arrazoar.
O fato é que tudo muda. Tais
mudanças são inerentes à nossa vontade e colocam-nos todos no mesmo barco,
indiferente de credo, raça, posição social, status ou filosofia de vida. Ainda
acredito estar no centro da fornalha, sendo forjado aos poucos, quase que como
em gotas homeopáticas. Talvez para não sentir a dramaticidade da mudança caso
ela se desse de modo abrupto, ou talvez para ir me adaptando pouco a pouco às
mudanças de forma mais sutil, sem que as mesmas não deixassem impregnadas em
mim as cicatrizes mais profundas, como quando enfrentamos a morte de algum ente
querido ou quando passamos por grandes tribulações e provações na vida. O certo
é que tudo colabora para o nosso bem, mesmo que não tenhamos a devida percepção
das coisas naquele momento. Mas um dia haveremos de ter.
Dizem que antigamente o tempo
passava mais devagar, que um ano levava muito mais que 365 dias; hoje se fala
em falta de tempo para quase tudo. É um corre-corre para dar conta das mil e
uma atividades do dia-a-dia e mesmo assim 24 horas parecem não ser suficientes.
Quando eu era pequeno o tempo tinha uma dimensão bem diferente, um ano inteiro
custava muito para passar, e o natal do ano seguinte parecia nunca chegar. Não
sei se era devido ao fato de não haver preocupações com contas a pagar, ou se
era por causa do ócio que alimentava a mente fértil e imaginativa, mas o fato
era que o tempo demorava bem mais para passar, até mesmo os dias eram mais
longos, o que na verdade era muito bom, pois havia tempo de sobra para inventar
muitas brincadeiras.
Tudo começou a mudar quando
entrei para a escola. O tempo antes dedicado essencialmente às brincadeiras
passou a ser comandado pelas letras e pelos números e pouco a pouco o universo
do menino de imaginação fértil foi cedendo espaço ao conhecimento, à aquisição
de novos saberes e a um novo mundo repleto de novas curiosidades. Ainda que de
uma forma um tanto quanto maçante, essa fase foi essencial para o que viria a
seguir, pois sem ela certamente eu não seria a pessoa que sou hoje. Se sou
melhor ou não, isso eu não sei, até porque jamais poderei voltar no tempo para
viver algo diferente e ver se o resultado seria satisfatório ou não. O que
importa é que, mesmo não sendo plenamente satisfeito com o que sou hoje, pude
me dar à oportunidade de ser o que sou, com todos os meu defeitos e qualidades.
Às vezes penso que as experiências que vivemos é que contam e não o resultado
delas.
A vida é um processo filosófico,
onde tessituras se entrelaçam numa constante transformação, em que tempo,
sensações, experiências, emoções, questionamentos, buscas, incertezas e paixões
se entrecruzam e se metamorfoseiam num ciclo contínuo e cadenciado. É algo ao
mesmo tempo apaixonante para os que se abrem às oportunidades por ela
concedida, e ao mesmo tempo entediante, para os que não acreditam mais na sua
beleza, nem no seu poder de sedução. Para esse último caso, o tempo se torna um
pesar, um relógio que marca de forma compassada e morosa cada segundo que
vivemos, como se os mesmos fossem fardos a serem carregados num ciclo viciante,
que só teria fim com o advento das últimas horas por nós vividas. Dizem que
viver é uma arte, e concordo em gênero, número e grau, afinal de contas, não é
nada fácil viver subjugado a um sistema de governo massacrante, dominado por
políticos corruptos e que fazem de tudo para que a vida das pessoas seja mais
difícil, por conta dos arrochos salariais, dos altos e infindos impostos, das
políticas que favorecem os mais ricos em detrimento da execração aos mais
pobres. Junte-se a isso tudo, nossa habilidade em driblar as crises do dia-a-dia
tentando equilibrar as contas para esticar o salário, e a nossa genialidade em
fazer com que mil e uma ações caibam dentro do espaço de 24 horas e teremos
grandes artistas espalhados por todo esse mundo, cada qual vivendo sua própria
e única manifestação artística. E dessa
forma a vida vai passando, ou nós é que vamos passando por ela, depende do
ponto de vista. E o tempo, tal qual um ditador inescrupuloso vai tomando conta da
vida de cada um, acrescentando dias ou diminuindo-os a cada um de nós,
transformando o estado natural das coisas, onde cada fase possui sua própria
beleza, seja ela na infância, na juventude, na mocidade ou já na vida anciã. E
assim vamos nós por essa jornada, sofrendo mudanças aqui, ali e acolá enquanto o
tempo passa sem cessar e insta nossas vidas a mudar. Como escreveu certa vez o
poeta, filósofo e historiador alemão Friedrich
Von Schiller (1759-1805);
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