terça-feira, 17 de abril de 2012

Ainda sobre o luto, porém com a continuidade da vida.


Ainda sobre o luto, porém com a continuidade da vida.



De tudo o que pode representar perda, separação, dor, saudade e vazio, certamente a morte é a maior expressão que o ser humano pode encontrar. O fato é que desde os primórdios da civilização ou o que antecedeu a ela, a morte sempre esteve vinculada à vida do homem e de fato é tão inerente quanto a própria vida. Nascemos, crescemos, vivemos uma história e fatalmente um dia morreremos. Segue-se a ela um misto de medo, apreensão, curiosidade e até respeito, pois ela se apresenta austera, implacável, e, sobretudo, imprevisível, exceto quando somos vitimados por uma doença de cunho degenerativo ou fatal, que prenuncia nosso inevitável fim em gotas homeopáticas. Assim tem sido desde que o mundo é mundo, e independente do que religiosos ou leigos possam declarar, ela vem para todos, não importa o credo, a raça, o status ou o perfil de vida de cada um. Diante dela somos todos vítimas convidados a um dia descer à cova e voltar ao pó que segundo a crença cristã, deu origem ao homem antes de ser vivificado pelo fôlego de Deus.



Isso é fato. Lembro-me muito bem da exumação do cadáver do meu primo que falecera em 1998 aos 21 anos. Passados seis anos após sua morte, minha avó deu entrada ao mesmo túmulo, sendo que para isso meu primo tivera que ser removido do local para dar espaço à matriarca da família. Qual não foi minha surpresa ao constatar que de tudo que se decompõe sobra uma camada marrom café granulada, semelhante ao solo que pisamos em vida. Ali já não existia mais a pessoa que um dia compartilhamos histórias, risos, tristezas, aventuras e toda sorte de experiências que a vida pode abarcar. Apenas seus restos mortais ou o substrato do que um dia foi uma pessoa plena de vida, em toda sua forma física, cheia de juventude. Meu primo já não se encontrava mais ali desde que se passaram os últimos seis anos de sua morte. Ele estava em outro local, provavelmente em algum lugar bem melhor do que o planeta caótico e atribulado em que vivemos.



Lembro-me muito bem do dia de sua morte. Ele chegara de Taubaté, vindo de mudança para Cataguases, interior de Minas, depois de um período na cidade do interior paulista onde a mãe e seu companheiro estiveram para tentar uma vida melhor. Por ser jovem e cheio de vitalidade, meu primo ajudou a descarregar a mudança para a nova casa onde haveriam de morar. Era uma terça-feira nublada, de chuva fina e fria. Ao cair da noite ele se queixara de dores nas costas e consequentemente pensaram que havia sido por causa do peso dos móveis que ajudara a transportar. Passado algum tempo, as queixas de dores nas costas continuavam, e então sugeriram que tomasse um comprimido para dores musculares. Feito isso, aguardou melhoras...que não vieram, e seu caso foi piorando. No dia seguinte levaram-no ao médico, que sem muita atenção, diagnosticou-o com problemas renais e para tal lhe aviou uma medicação. Sem sucesso, as dores continuaram e com ela veio a febre intermitente. Já preocupada com seu estado de saúde, minha tia o levou ao hospital da cidade, onde ele fora medicado e internado para avaliações e exames. Nenhum resultado satisfatório pôde ser observado nos exames realizados, e seu estado de saúde foi agravando. Agravou tanto, que desencadeou uma septicemia, que lhe consumiu as forças aos poucos, enquanto minha tia padecia por vê-lo sofrer sem que os médicos descobrissem a causa do problema.



Após sete dias internado no hospital, meu primo veio a falecer, porém, alguns dias antes confidenciou à mãe que pressentia que sua jornada sobre a terra estava findando. Minha tia ficou desesperada e se agarrou à Deus com toda sua força, suplicando-lhe que poupasse a vida do seu filho. Clamores em vão, pois aprouve à Deus definir o tempo de vida de cada um debaixo dos céus, e meu primo havia sido contemplado com vinte e um anos de existência terrestre apenas. Como toda mãe que não é desnaturada, minha tia entrou em profundo desespero, pois seu filho mais novo lhe era retirado dos braços que um dia o embalou e amamentou.



A comoção na família foi geral, pois como costumam dizer, essa é a inversão da ordem natural das coisas, pois uma mãe ou um pai jamais esperam sepultar um filho. Um fato importante e muito inquietante se deu no dia de sua morte. Encontrava-me em casa com minha mãe, havia acabado de almoçar e preparava-me para sair para o trabalho. Minha mãe estava na beira do tanque lavando algumas peças de roupas quando sentiu um aroma diferente no ar. “Luzimar, você está sentindo esse cheiro forte de flores que eu estou sentindo?” “Sim, afirmei.” “Não estou gostando nada disso”, disse minha mãe. Por quê?” perguntei. “Você sabe que seu primo não está nada bem, e isso não é um bom sinal”, vaticinou. Passaram-se cerca de dez minutos e o telefone do hospital ligou para informar que meu primo havia falecido minutos antes.  Tanto eu quanto minha mãe acreditamos que o cheiro de flor que sentimos foi o espírito do meu primo passando por nossa casa para se despedir de nós.



Chegado o momento dos preparativos do velório, não faltou quem se aproximasse para prestar sinceras condolências pela dor que ela sentia, e todos eram muito bem intencionados ao dizer "não fique assim, Deus vai confortá-la". Qual não foi o espanto de todos ao ver sua reação em fúria, praguejando contra Deus por não tê-la atendido quando suplicou para que curasse seu filho. Como já disse acima, coube à Deus decidir o destino e desfecho de cada um de nós, pois como atesta a Bíblia, não há um só fio de cabelo de nossa cabeça que caia sem que que Ele saiba. Certamente Ele deve estar no controle de todas as coisas, inclusive na forma como prefere nos levar para junto de Si. Passada a comoção do enterro, todos muito abatidos e sem entender o porquê de uma vida terminar tão cedo e de modo tão inexplicado, dirigiram-se para suas casas inconsoláveis com as vicissitudes dessa vida.



Alguns dias se passaram e a tristeza de sua partida era compartilhada por todos os membros da família. Até que num determinado dia, que não me lembro exatamente quando, encontrava-me deitado no meu quarto a noite, em profundo sono. Sonhei que estava em um lugar como aqui na terra mesmo, havia natureza, árvores, sol, céu azul, enfim, um lindo dia ensolarado. Vi algumas pessoas reunidas sob uma grande cobertura semelhante a uma varanda, porém sem paredes laterais. A edificação possuía pilastras e parecia ser coberta por telhas de cerâmica. Por algum motivo eu sabia que meu primo se encontrava ali, e comecei a passear entre as pessoas que ali se encontravam na tentativa de encontrá-lo. Porém, para minha surpresa, as pessoas que ali estavam reunidas como que num evento social, agrupadas em rodas, conversando e sorrindo, não podiam me ver nem me ouvir, e por isso mesmo eu não podia interpelar nenhuma delas.



Continuei à procura do meu primo, até que senti sua presença e me virei de imediato. Ele aparentava uns dez anos mais jovem e estava com uma aparência muito feliz. Não trocamos uma sílaba se quer. Apenas nos entreolhamos, sorrimos um para o outro e pude entender que ele estava bem. Nesse exato momento, enquanto ainda visualizava o sonho em minha mente, fui acordado de súbito por uma voz calma e serena que sussurrou junto ao meu ouvido: “Conta para a mãe dele”. Pude sentir a vibração da voz no meu ouvido direito, parecia até ser possível sentir o calor da voz. Acordei num ímpeto só, sem medo, e entendi que precisara ser acordado para que pudesse reter o máximo do sonho na minha memória para depois partilhá-lo com minha tia. Ao amanhecer contei o sonho primeiramente para minha mãe, que sabiamente me aconselhou a procurar minha tia o mais rápido possível para lhe dar as boas novas sobre meu primo. Depois desse episódio minta tia ficara mais calma, aceitou a morte do meu primo com mais conformidade, apenas lamentando o fato de não ter sido ela a pessoa escolhida para estar lá onde ele se encontrava. Motivo óbvio: ela estava muito amarga, com o coração muito endurecido e muito revoltada contra Deus. Certamente ela não estava em condições de ser transportada para um lugar onde a paz indivisível se fazia presente.



Depois dessa experiência tão marcante e pessoal, pude ter a certeza de que a efemeridade de nossa vida terrena não finda com a morte. Deixamos nosso corpo para voltar ao pó e nosso espírito volta para Deus, pois a Ele pertencem todas as almas. Esse sonho me fez superar a dor do luto com mais facilidade, pois tenho certeza que há continuidade após a morte. Embora fique a dor saudade e da separação física, podemos ter certeza que um dia nos reencontraremos novamente, porque Deus é amor acima de todas as coisas e a Sua misericórdia é sem fim, assim como também é abundante a sua graça.



A morte trágica e súbita dos meus amigos Marcelo e Ildo ainda que me doam muito, não é capaz de me roubar a esperança de dias vindouros em que poderei encontrá-los novamente, assim como a todos os meus queridos amigos e entes queridos que já partiram antes de mim. Esse dia será de grande júbilo para todos aqueles que esperam em Deus e nEle anseiam reencontrar a todos a quem tanto amaram enquanto por aqui passaram. Que assim seja!


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